12 de abril de 2012

Minha mãe não sabe o que é sustentabilidade


Faz tempo que pensava em  escrever este post, pois quando leio sobre os "erres sustentáveis", como respeitar, reduzir, reutilizar, e reciclar, lembro-me que tem muito a ver com o cotidiano de minha mãe, minha avó e bisavó. Trata-se de uma herança, da tal memória genética (?!). Todos sabemos disso, isto é, que as gerações passadas, pelo menos as donas de casa das cidadezinhas do interior, eram o que chamamos hoje de “ecologicamente corretas”.
Porém, ainda hoje,  apesar da televisão, do celular e da internet sem fio já estarem lá onde minha mãe mora há um bom tempo, ela ainda não sabe muito bem o que é isso de ser “ecologicamente correto”, essas coisas todas (rs). Na teoria, lógico.

É isso, minha mãe que já tem muitos anos de vida neste planeta, também não sabe qual é o significado, o conceito de “sustentabilidade”; mas é super sustentável e, super naturalmente...
Ela reutiliza até meio que compulsivamente tudo o que vê pela frente. É extremamente econômica em tudo. Com certeza, isso é consequência de sua história desde a infância e até muitos anos após já ter se  casado.

Passou sua infância e vida adulta num lugar que poderíamos considerar inóspito. Poucas famílias, nada de energia elétrica, nada de água encanada ou estrada asfaltada, nada disso. Vida de muito trabalho e, nada, nada de conforto.
Vamos lá, para alguns itens da “listinha sustentável” dela:

- Reutiliza praticamente todos os vidros desde que viu o primeiro.  Para quê? Usa-os para suas geleias de uva, tangerina, doces de abóbora, mamão, pêssego e, por aí vai. Além de muitas conservas de pepino, beterraba, abobrinhas, e etc e etc... 

- Guarda desde botões de roupa até materiais que usam no rancho. Enfim...

- Inclusive, no rancho tem um “quartinho” que, entre outras coisas, ela também guarda muitas caixas de papelão. Pois é só chegar uma caixa que lá vai a tal senhora limpar e guardar. Sempre reutiliza. Um exemplo: envia pra mim muito das coisas lá da roça, dentro dessas caixas.

- Potes de margarina, de sorvete e similares, ela guarda também. Usa-os para vender nata e manteiga e também para guardar cacarecos.

- Caixas de ovos: todos os vizinhos levam, pois ela as reutiliza na venda de ovos.

- E o recipiente para o leite que os vizinhos pedem? Em garrafas PET. Nessas mesmas garrafas, ela guarda o feijão e o milho de sua roça. Ainda hoje a tal senhora tem sua rocinha de milho, aipim, batata-doce e outras coisitas mas que nem lembro agora. Bom, até abacaxi ela planta por lá, que nem é uma terra assim da boa para tal fruto. Ficam nanicos, mas muito docinhos e suculentos.
Uvas também tem por lá... 
- Sacolinhas e demais sacos plásticos? Têm mil e uma utilidades para minha mãe. Reutiliza, reutiliza e reutiliza. Daria uma postagem só citando os tantos “itens”. Ela chega a lavá-los. Não os joga fora porque estão sujos. 

- Reaproveita a água usada da máquina de lavar roupas.

- Guarda papel de presentes que ganhou para envolver os presentes que dará ou para fazer alguma outra coisa com eles.

- Sobras de alimentos: adubo orgânico, alimentar as galinhas, as vacas, os tantos gatos de meu pai que ficam no rancho (pois com os ratos eles já acabaram) e os três cachorros.
dengosa, dengosa
-É isso: óleo de fritura -que usa bem pouco- leva para uma vizinha fazer sabão. 
gatuschka
- Colhe acerola, laranjas e faz suco: congela.

- Faz macarrão caseiro: congela.

- Colhe o milho verde: meu pai descasca, ela cozinha, "debulha"/corta os grãos...  congela.

- As peras: só meu pai para descascá-las

- Reaproveita roupas usadas, customiza, faz colchas, tapetes, almofadas...

- Lá em casa reaproveitam madeira, telhas, tijolos e móveis. Vocês nem imaginam. É que meus irmãos são feras nessas coisas. Daria um outro post.
No Natal de 2011 ela pediu que eu fizesse a foto desta rosa, que é do seu jardim.
Acho que todo o seu modo de ver e levar a vida é sustentável.  Aposentada, ainda trabalha, e muito. Porque gosta, lógico. E é ágil, pois faz muita coisa em pouco tempo (e o faz bem). Então, algumas vezes sobra uma tarde inteira para não fazer nada e isso é o fim da picada para ela. Claro que vai à missa, claro que participa do Clube de Idosos, claro que participa das aulas de dança e do coral que o Clube promove. Claro.  

Ou seja, não deveria “sobrar” tempo.


Acorda cedo, levo o Lalo (um Akita enoormeee) para dar a volta dele e, assim cedinho, algumas vezes encontra alguém na estrada para bater um papo. De volta em casa, vai lavar os bules de leite das quatro vacas que meu pai insiste em manter, faz café, ajuda a limpar o estábulo, vai capinar, plantar, colher, cozinhar, fazer as conservas, o bolo, os doces, o pão... (Nossa, já estou cansada).
Temperamental e fujona
No final da tarde, vai caminhar. Ela precisa. Exercitou-se pouco. Na volta, vai para as suas hortas (têm umas três hortinhas, sei lá o porquê que as “separa”) e regar o jardim. Bom, inventa um monte de coisas. Faz uns cinco  anos, resolveu aprender a bordar o ponto cruz. Super bem feito, avesso perfeito. 

Mas não sabe o significado dessa tal "sustentabilidade".
Uma das hortinhas
Ela mora na roça e eu na cidade. Não tenho romantismo com cidades do interior, com a roça. Gosto, mas sei que a labuta, se não é mais, era dura. Na minha infância, a situação era precária, pouco ou nenhum tempo sobrava para o romantismo.

Morando na cidade, quando você diz que morou na roça, muitos costumam romancear: “comidinha orgânica, ar puro, flores, matas, bichos, rios bonitos, comer a fruta direto do pé...” Ah, muito legal. Mas não e bem assim, não. Pelo menos, não era.  Meus pais que o digam. Pequenos agricultores então, nem se fala.

Aqui na cidade fica difícil viver sem o povo da roça. São eles que nos alimentam. Bom aprendermos a valorizar tudo isso de fato.